terça-feira, 28 de julho de 2009

terça-feira, 21 de julho de 2009

Qualquer caminho leva a toda a parte

"Qualquer caminho leva a toda a parte
Qualquer caminho
Em qualquer ponto seu em dois se parte
E um leva a onde indica a estrada
Outro é sozinho.
Uma leva ao fim da mera estrada.
Pára Onde acabou.
Outra é a abstracta margem
......

No inútil desfilar de sensações
Chamado a vida.
No cambalear coerente de visões
.....

Ah! os caminhos estão todos em mim.
Qualquer distância ou direcção, ou fim
Pertence-me, sou eu.
O resto é a parte
De mim que chamo o mundo exterior.
Mas o caminho Deus eis se biparte
Em o que eu sou e o alheio a mim [...]"

Fernando Pessoa

segunda-feira, 20 de julho de 2009

...o que me dói...

"O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma."

Fernando Pessoa

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Liberdade

"Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer !
Ler é maçada, Estudar é nada.
Sol doira Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não !
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
Mais que isto É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca..."

Fernando Pessoa

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Insônia



"Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.
Espera-me uma insônia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.
Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite
-Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!
Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!
Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
- Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
- Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.


Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.
(...)


Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo - sei lá salvo o quê...
Não durmo.
Não durmo.
Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!"


Álvaro de Campos

À Beleza

"Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.
És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.
És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte, Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho, Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.
És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.
És a beleza, enfim.
És o teu nome.
Um milagre,
uma luz,
uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo,
sem pátria
e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço."

Miguel Torga

quinta-feira, 9 de julho de 2009

“O pensamento lógico pode levar-te de A a B,
mas a imaginação leva-te a qualquer parte do Universo.”
Einsten

quarta-feira, 8 de julho de 2009

depus a máscara

"Depus a máscara e vi-me ao espelho.
-Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sem a máscara.
E volto à personalidade como a um términus de linha."

...
...
...


Álvaro de Campos

sonho. não sei quem sou

"Sonho.
Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me.
Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.
Se existo é um erro eu o saber.
Se acordo
Parece que erro.
Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.
Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém. "

Fernando Pessoa

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Caminho a teu lado mudo


"Caminho a teu lado mudo
Sentes-me, vês-me alheado ...
Perguntas: Sim... Não ... Não sei...
Tenho saudades de tudo...
Até, porque está passado,
Do próprio mal que passei.

Sim, hoje é um dia feliz.
Será, não será, por certo
Num princípio não sei que
Há um sentido que me diz
Que isto - o céu longe e nós perto
É só a sombra do que é ...

E lembro-me em meia-amargura
Do passado, do distante,
E tudo me é solidão ...
Que fui nessa morte escura?
Quem sou neste morto instante?
Não perguntes ... Tudo é vão."

Fernadno Pessoa

cada coisa

"Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.
À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida."

Ricardo Reis