sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

o absoluto

"- Sou doido, não é verdade?- gemeu Carlos, parado diante da mesa e apoiando-se nas mãos.
- Somos todos...
- Somos. Mas ninguém tem a corgem de o confessar. Quando vinha para aqui, entrei na penitenciária para comprar uma estante. E apenas saí daquele muro morto cercado de muros, e vi cá fora toda a gente a passar alheia à realidade tandível que eu acabava de observar, estremeci. Como era possível existir, ao lado duma mosntruosidade assim?
- O homem tem grandes possibilidades de diversão... De diversão e de recuperação. Nenhum mineiro desce ao fundo dum poço sem primeiro montar a nora que o há-de trazer ao de cima...
- Há gente que se atira mesmo, sem pensar nisso...
- Pouca.
Embora penosa, a conversa era agora mais fácil. O concreto e pessoal cedera lugar ao abstracto.
Carlos, porém voltou à carga.
- É pena que a gente não possa escolher o tempo da sua vida...
E Pedro desviou a trovoada.
- Depende. Em relação ao futuro, é realmente pena. Em relação ao passado não. Seria renunciar ao inédito. Optar depois da experiência. E a vida, a ter algum interesse, só pode ser este: cada minto ser uma incógnita.

A tarde, límpida e tépida, entrava pela janela. Lá fora, o rio, amparado por grandes maciços verdes, corris sem cessar."


Contos, Miguel Torga

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