"Serei tudo o que disserem por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário fogueira de exibição
teorema corolário poema de mão em mão
lãzudo publicitário malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Os que entendem como eu as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse sempre que faço um poema;
saudade que se partisse me alagaria de pena;
e também uma alegria uma coragem serena
em renegar a poesia quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu a força que tem um verso
reconhecem o que é seu quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala - é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história - a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser o poema dia a dia? -
Um bisturi a crescer nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem por temor ou negação:
Demagogo mau profeta falso médico ladrão
prostituta proxeneta espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!"
Ary dos Santos
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